Documentos: O colonialismo e as guerras de libertação.
A Conferência de Bandung
Estamos resolvidos a não ser dominados por nenhum país, por nenhum continente (...). Somos grandes países e queremos viver livres sem receber ordens de ninguém. Damos importância à amizade das grandes potências, mas só cooperamos com elas em pé de igualdade. É por essa razão que erguemos a nossa voz contra a hegemonia e o colonialismo, que sofremos, muitos de nós, durante longo tempo. E é por essa razão que deveremos estar vigilantes para que nenhuma outra forma de dominação nos ameace. Queremos ser amigos tanto do Ocidente, como do Oriente, como de todo o mundo. (Nerhu, Discurso de encerramento da Conferência de Bandung, 24 de Abril de 1955)
Salazar e as «províncias ultramarinas»
O ideal que inspirou os descobrimentos portugueses e, depois, a obra que se lhes seguiu foi o de espalhar a fé e comunicar aos povos os princípios da civilização. (…) Um nativo de Angola, embora com as limitações da sua incultura, sabe que é português e afirma-o tão conscientemente como um letrado de Goa saído de uma Universidade europeia. (…) O Português, por exigência do seu modo de ser, previsão política ou desígnio da Providência, experimentou juntar-se, senão fundir-se com os povos descobertos, e formar com eles elementos integrantes da mesma unidade pátria. Assim nasceu uma Nação sem dúvida estranha, complexa e dispersa pelas sete partidas do mundo; mas quando olhos que sabem ver observam atentamente essas facções de Nação, verificam (…) que ali é Portugal. (Salazar, Discurso de 30 de Maio de 1956)
A defesa do colonialismo
A África começa a agitar-se, a arder ao fogo de movimentos que, não podendo ser racionalistas e muito dificilmente ideológicos, se apresentarão como rácicos…apresentando-se, como na Ásia, a negar ao branco todo o esforço civilizador e os direitos dele decorrentes. (…) O ponto nevrálgico da política do mundo continua a situar-se na Europa: não só porque pela força e riqueza próprias tem tradicionalmente dirigido os destinos mundiais como porque nela floresceu e tem estado ameaçada a única civilização universal que a Europa e as nações americanas representam e parecem ter a obrigação de defender solidariamente. (…) Não nos temos cansado de dizer que a África é completamente natural da Europa, necessária à sua vida; à sua defesa, à sua subsistência. Sem a África, a Rússia pode desde já ditar ao Ocidente os termos em que lhe permite viver (…). Um vento de revolta sopra em várias zonas de África, eriçado por potências conhecidas (…). Esse vento parece justificar o anticolonialismo em moda… A Europa sente-se responsável, também, e por uma espécie de cobardia colectiva parece envergonhar-se da obra que ali tem realizado. (Salazar, Discursos, in OLIVEIRA, César, Salazar e o Seu Tempo, Lisboa, Edições O Jornal, 1991)
A emboscada
Os combatentes do PAIGC estavam tão próximos que os portugueses atiravam granadas defensivas à mão. Joaquim Tomás tirou seis granadas do cinturão de Benjamim e, ao arremessar uma delas, um estilhaço alojou-se no seu pulso direito. Indiferente, continuou a combater. Nessa altura já outros ocupantes da segunda viatura- entre os quais o alferes- tinham marcas de tiros de raspão e de estilhaços pelo corpo. (…) Após 40 minutos de ataque, o inimigo desapareceu completamente. (…) António Clara tinha o tronco desfeito por uma granada (…); o furriel Rui Alberto estava caído, por trás de um tronco de árvore, com um tiro na nuca; Carlos Salgado fora atingido mortalmente no seu lugar de condutor (…). Os feridos foram evacuados para Bissau e, em seguida, para Lisboa. (…) Os cadáveres, enlameados e ensanguentados, foram lavados em Ingoré, sob as ordens do furriel Fernandes, e encerrados em urnas revestidas de zinco. (Testemunho oral recolhido por Joaquim Vieira, Jornal Expresso, 21/4/1984)
Negociações ou derrota militar?
A dificuldade do problema da Guiné estava nisto: em fazer parte de um problema global mais amplo, que tinha de ser considerado e conduzido como um todo, mantendo a coerência dos princípios jurídicos e da política que se adoptasse.
E foi aqui que, no decurso da conversa, fiz a afirmação chocante para a sensibilidade do general (Spínola), dizendo mais ou menos isto:
- Para a defesa global do Ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo caminho a outras negociações.
- Pois V. EX.ª preferia uma derrota militar na Guiné?- exclamou, escandalizado, o general.
- Os exércitos fizeram-se para lutar e devem lutar para vencer, mas não é forçoso que vençam. Se o exército português for derrotado na Guiné depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, essa derrota deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar. E o dever do Governo é defender todo o Ultramar. É isso que eu quero dizer. (Marcelo Caetano, “Depoimento” (Rio de Janeiro, 1974), in MEDINA, João (dir.), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Edições Mutilar, 1990, p.232)
A luta pela libertação das colónias
Nós, africanos das colónias portuguesas, lutamos contra o colonialismo português, para defender os direitos do nosso povo e os verdadeiros interesses de todos os povos do mundo. Os africanos querem que Portugal respeite rigorosamente as observações definidas na Carta das Nações Unidas. Exigimos que Portugal siga o exemplo da Inglaterra, da França e da Bélgica e reconheça o direito dos povos que domina à autodeterminação e à independência.
As organizações africanas anticolonialistas das colónias portuguesas, que representam as aspirações legítimas dos seus povos, querem restabelecer a dignidade humana dos africanos, a sua liberdade e o direito a decidirem do seu futuro. Estas organizações querem que o povo beneficie de um verdadeiro desenvolvimento social, baseado num trabalho produtivo e no progresso económico, na unidade e na fraternidade africana, na amizade e na igualdade entre todos os povos, incluindo o povo português. Querem a paz ao serviço da humanidade. As organizações africanas que lutam contra o colonialismo português acreditam na existência de meios pacíficos para a conquista da independência. (Amílcar Cabral, Obras Escolhidas, in MEDINA, João (dir.), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Edições Mutilar, 1990, p.224)
A Conferência de Bandung
Estamos resolvidos a não ser dominados por nenhum país, por nenhum continente (...). Somos grandes países e queremos viver livres sem receber ordens de ninguém. Damos importância à amizade das grandes potências, mas só cooperamos com elas em pé de igualdade. É por essa razão que erguemos a nossa voz contra a hegemonia e o colonialismo, que sofremos, muitos de nós, durante longo tempo. E é por essa razão que deveremos estar vigilantes para que nenhuma outra forma de dominação nos ameace. Queremos ser amigos tanto do Ocidente, como do Oriente, como de todo o mundo. (Nerhu, Discurso de encerramento da Conferência de Bandung, 24 de Abril de 1955)
Salazar e as «províncias ultramarinas»
O ideal que inspirou os descobrimentos portugueses e, depois, a obra que se lhes seguiu foi o de espalhar a fé e comunicar aos povos os princípios da civilização. (…) Um nativo de Angola, embora com as limitações da sua incultura, sabe que é português e afirma-o tão conscientemente como um letrado de Goa saído de uma Universidade europeia. (…) O Português, por exigência do seu modo de ser, previsão política ou desígnio da Providência, experimentou juntar-se, senão fundir-se com os povos descobertos, e formar com eles elementos integrantes da mesma unidade pátria. Assim nasceu uma Nação sem dúvida estranha, complexa e dispersa pelas sete partidas do mundo; mas quando olhos que sabem ver observam atentamente essas facções de Nação, verificam (…) que ali é Portugal. (Salazar, Discurso de 30 de Maio de 1956)
A defesa do colonialismo
A África começa a agitar-se, a arder ao fogo de movimentos que, não podendo ser racionalistas e muito dificilmente ideológicos, se apresentarão como rácicos…apresentando-se, como na Ásia, a negar ao branco todo o esforço civilizador e os direitos dele decorrentes. (…) O ponto nevrálgico da política do mundo continua a situar-se na Europa: não só porque pela força e riqueza próprias tem tradicionalmente dirigido os destinos mundiais como porque nela floresceu e tem estado ameaçada a única civilização universal que a Europa e as nações americanas representam e parecem ter a obrigação de defender solidariamente. (…) Não nos temos cansado de dizer que a África é completamente natural da Europa, necessária à sua vida; à sua defesa, à sua subsistência. Sem a África, a Rússia pode desde já ditar ao Ocidente os termos em que lhe permite viver (…). Um vento de revolta sopra em várias zonas de África, eriçado por potências conhecidas (…). Esse vento parece justificar o anticolonialismo em moda… A Europa sente-se responsável, também, e por uma espécie de cobardia colectiva parece envergonhar-se da obra que ali tem realizado. (Salazar, Discursos, in OLIVEIRA, César, Salazar e o Seu Tempo, Lisboa, Edições O Jornal, 1991)
A emboscada
Os combatentes do PAIGC estavam tão próximos que os portugueses atiravam granadas defensivas à mão. Joaquim Tomás tirou seis granadas do cinturão de Benjamim e, ao arremessar uma delas, um estilhaço alojou-se no seu pulso direito. Indiferente, continuou a combater. Nessa altura já outros ocupantes da segunda viatura- entre os quais o alferes- tinham marcas de tiros de raspão e de estilhaços pelo corpo. (…) Após 40 minutos de ataque, o inimigo desapareceu completamente. (…) António Clara tinha o tronco desfeito por uma granada (…); o furriel Rui Alberto estava caído, por trás de um tronco de árvore, com um tiro na nuca; Carlos Salgado fora atingido mortalmente no seu lugar de condutor (…). Os feridos foram evacuados para Bissau e, em seguida, para Lisboa. (…) Os cadáveres, enlameados e ensanguentados, foram lavados em Ingoré, sob as ordens do furriel Fernandes, e encerrados em urnas revestidas de zinco. (Testemunho oral recolhido por Joaquim Vieira, Jornal Expresso, 21/4/1984)
Negociações ou derrota militar?
A dificuldade do problema da Guiné estava nisto: em fazer parte de um problema global mais amplo, que tinha de ser considerado e conduzido como um todo, mantendo a coerência dos princípios jurídicos e da política que se adoptasse.
E foi aqui que, no decurso da conversa, fiz a afirmação chocante para a sensibilidade do general (Spínola), dizendo mais ou menos isto:
- Para a defesa global do Ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo caminho a outras negociações.
- Pois V. EX.ª preferia uma derrota militar na Guiné?- exclamou, escandalizado, o general.
- Os exércitos fizeram-se para lutar e devem lutar para vencer, mas não é forçoso que vençam. Se o exército português for derrotado na Guiné depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, essa derrota deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar. E o dever do Governo é defender todo o Ultramar. É isso que eu quero dizer. (Marcelo Caetano, “Depoimento” (Rio de Janeiro, 1974), in MEDINA, João (dir.), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Edições Mutilar, 1990, p.232)
A luta pela libertação das colónias
Nós, africanos das colónias portuguesas, lutamos contra o colonialismo português, para defender os direitos do nosso povo e os verdadeiros interesses de todos os povos do mundo. Os africanos querem que Portugal respeite rigorosamente as observações definidas na Carta das Nações Unidas. Exigimos que Portugal siga o exemplo da Inglaterra, da França e da Bélgica e reconheça o direito dos povos que domina à autodeterminação e à independência.
As organizações africanas anticolonialistas das colónias portuguesas, que representam as aspirações legítimas dos seus povos, querem restabelecer a dignidade humana dos africanos, a sua liberdade e o direito a decidirem do seu futuro. Estas organizações querem que o povo beneficie de um verdadeiro desenvolvimento social, baseado num trabalho produtivo e no progresso económico, na unidade e na fraternidade africana, na amizade e na igualdade entre todos os povos, incluindo o povo português. Querem a paz ao serviço da humanidade. As organizações africanas que lutam contra o colonialismo português acreditam na existência de meios pacíficos para a conquista da independência. (Amílcar Cabral, Obras Escolhidas, in MEDINA, João (dir.), História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Edições Mutilar, 1990, p.224)